domingo, 19 de junho de 2011

O Assacino

A oração começou igual a qualquer outra. Não, não foi com o ‘pai nosso que estás no céu’; foram com os ‘santificados’ dois dedos após a margem e uma vírgula companheira. Enquanto o verbo corria solto, livre; o parágrafo estava preso, acorrentado a perguntas de uma pontuação nervoza e arrogante. A Delegada Interrogação, por sua vez, olhava atentamente para o apóstrofo, que envergonhado da cagada que fizera se escondia ao lado de letras falsas e palavras sujas.

Os parênteses da vítima chegaram abalados e totalmente perplexos com a ação tomada pelos advérbios, que haviam auterado e bagunçado os adjetivos da cena do crime. Era final de tarde e a preocupação pairava sobre o local. Um assassinato aconteceu, e o que era pior: passaram a borracha nas provas.

- Agora fudeu, mataram a gramática! Disse o Inspetor Aurélio olhado para a Delegada Interrogação, enquanto fumava um cachimbo de trema e seguia em direção aos parênteses da vítima. Coitada, já era idosa, não precisava passar por isso; com tanta reforma na estrutura ortográfica, não ia dura muito tempo. Comentava com a cabeça baixa o Oficial Substantivo.

A noite chegou. Todos se encontravam no Dicionário central da cidade quando a Doutora Ênfase chegou do laboratório de produção textual e disse: Já temos um culpado! Metafóricos, todos os presentes se entreolharam. E a Doutora continuou: não é a primeira vez que ele comete um crime. É um Serial killer.  E está ajindo desde a primeira linha! Encontramos o ésse em pedaços e o acento afogado. Ele está aqui! Prendam-no, ele é o escritor!


P.s.: Neste texto existem 6(seis) palavras grafadas de modo errado, tente descobrir quais são!
Os 3 primeiros a responderem corretamente ganham vales Rex-Dog.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Caneca azul


Cedo é o dia que acabou de terminar. Do alto da minha janela vejo pessoas vagando sem ter pra onde ir. Não, não são simples pessoas: são Marias, Josés, Antônios, Fátimas, etc. tendo ou não o Silva como sobrenome, são brasileiros, filhos desta terra abençoada por Deus e bonita (?) pelas mãos do homem.

Do alto desta pequena porta para o mundo, vejo carros passando tão depressa quanto a rotina que perturba a vida dos milhões de trabalhadores que acordam todos os dias sabendo que precisam ser mais rápidos que os demais, senão perdem o ônibus e ganham um belo desconto no fim do mês.

Da parte baixa da janela, entre as cortinas, vejo as inúmeras famílias se digladiando logo nas primeiras horas do dia. Vejo pais esbofeteando educando filhos, mulheres enroladas entre lençóis com outros homens, casais que nem se quer trocam olhares ou poucas palavras.

Do alto dessa janela enxergo um garotinho, com uma caneca de plástico azul, sentado em um banco velho, em meio a todo esse caos. Ele é pequeno, mas possui olhos serenos e atentos. Seu olhar de súplica é constrangedor e está voltado diretamente para o meu, como se implorasse para fazer algo para ajuda-lo. Fecho a janela e me recolho no inferno que está minha cabeça. Como pode uma criança tão pequena viver nesse mundo de caos? O certo é que ele não vive. Sobrevive.

Só porque não temos de um tudo na vida, não significa que somos piores ou melhores do que as outras pessoas. Não importa de onde você vem ou o que você foi, o importante é pra onde você pretende seguir e o que você almeja ser. Hoje, sei que aquele garoto da caneca azul sou eu. E, até hoje, continuo sobrevivendo do alto da minha janela a esse mundo chamado Caos.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Dança do dia a dia

Você disse que não sabia dançar, mas foi o primeiro a dançar quando a crise chegou. Dançou de alegria por ter ficado e por perceber que estava no passo certo e não apenas dançando conforme a música. Dançava na chuva para não ser mais um a dançar no trabalho. Aos poucos, foi aprendendo ritmos novos. Rebolados. De tanto rebolar pra resolver as coisas, aprendeu que em reuniões, o jogo de cintura era muito mais importante do que as planilhas do Excel. E que o gingado inteligente, ia mais longe do que qualquer salto de balé.

Um dia, acabou dançando porque chegou mais uma vez atrasado. E descobriu que por um passo errado, a música para. Agora, dançava atrás de uma nova música. Um novo tom. Dançava pra encontrar alguém que lhe ajudasse a compor uma nova versão da sua trilha de sucesso. Em escala maior, criou o agudo, ou melhor, a dança do agoniado. De tanto dançar de um lado para outro, ganhou um calo no pé. Mas, sem abaixar a cabeça ou perder o rebolado, saiu em busca de uma nova partitura. Decidido e com sapatos novos, passou a dançar a noite toda e sem ter tempo pra dançar, tirava o sustento com a nova partitura.

Enquanto os outros ficavam no dois pra lá e dois pra cá, o dançarino se arriscava em um requebrado mais ousado. E quando a crise chegasse, estaria pronto para dançar com ela e não dançar por causa dela.